MINISTRO DIZ QUE SAÚDE PÚBLICA PRECISA DE MECANISMO DE RECURSO ESTÁVEL
Júlia Dias Carneiro
Da BBC Brasil no Rio de Janeiro
Atualizado em 21 de outubro, 2011 - 18h20min (Brasília) 20:20 GMT
Para Padilha, discussão sobre o aumento de recursos para a Saúde cabe ao Congresso.
Para o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o sistema público de saúde no Brasil precisa de "um mecanismo crescente de recursos, estável, permanente, independente de quem governe o país".
Em entrevista à BBC Brasil, ele afirma que a discussão sobre o aumento de recursos para a área é um debate importante, mas que cabe ao Congresso, e não opina sobre valores ou fontes de financiamento.
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1- Recentemente, a discussão sobre o CPMF voltou à tona e depois morreu novamente. Mas a presidente Dilma tem afirmado que será necessária uma nova fonte de financiamento para a saúde. Em comparação ao orçamento atual, existe uma estimativa do aumento necessário para que o sistema de saúde funcione plenamente no país?
O Ministério da Saúde tem buscado fazer mais com o que tem, combatendo o desperdício de recursos. Conseguimos economizar cerca de R$ 600 milhões no primeiro semestre ao centralizar a compra de alguns medicamentos e comparar os preços internacionais.
"A nossa expectativa é a de que essa carta reforce a ideia de que políticas sociais para redução da pobreza e desigualdade são fundamentais para a melhoria da saúde dos povos"
Alexandre Padilha, Ministro da Saúde
Também reforçamos o controle dos recursos repassados para os municípios e estados. Agora 100% das localidades têm contas para os repasses, que podem ser rastreadas.
Agora, lógico que o debate do financiamento é um debate importante. O Brasil vai crescer muito e sua população vai envelhecer cada vez mais. Vivemos situações contemporâneas que merecem um tratamento epidêmico, como a dependência de drogas e do álcool.
Isso cada vez mais vai exigir que o sistema público de saúde tenha um mecanismo crescente de recursos, estável, permanente, independente de quem governe o país. Mas o ministério não faz estimativas sobre valores, de quanto precisaria. Tem que governar e fazer cada vez mais com o que tem. Quem trouxe o debate sobre o financiamento foi o Parlamento brasileiro.
2- A discussão sobre o aumento de recursos para a saúde desperta o temor na população de ter que arcar com mais um imposto. Quais são alternativas a isso?
Esse é um debate que o Congresso está fazendo, ali é o espaço para esse debate. Eu fui a uma discussão no Parlamento e apresentei dados que mostram, por exemplo, que no Brasil hoje se investe per capita em saúde mais ou menos 24% a menos do que o Chile, e 42% a menos que a argentina. Países da Europa chegam a investir oito vezes mais per capita, e no Brasil, a saúde privada investe mais ou menos 2,5 vezes mais do que a saúde publica.
É lógico que vamos precisar de mais recursos e de regras estáveis para um financiamento crescente. Mas o parlamento é que está fazendo essa discussão e a gente espera que seja concluída de forma positiva.
3- Nesta semana, o IBGE divulgou dados apontando disparidades regionais fortes no acesso a saneamento básico. Como atacar essas disparidades, que também aparecem em outros setores que afetam a saúde?
O Brasil é um país bastante desigual e precisamos de políticas específicas para cada região do país. Hoje, quando repassamos os recursos para atenção básica aos municípios, os que têm maior concentração de pobreza recebem recursos a mais, com repasses até 30% maiores. Ou seja, temos políticas de financiamento específicas para regiões com mais pobreza.
Outro grande desafio é levar mais médicos e profissionais de saúde para as regiões que mais precisam. Um exemplo de medida que estamos tomando é que todo médico que se forma utilizando empréstimo do governo federal, a cada ano que trabalhar em um município ou em um bairro de extrema pobreza, ele desconta parte da dívida que tem com o governo federal.
4- Que compromissos vão ser firmados na Declaração do Rio? Quais são as principais metas?
A nossa expectativa é a de que essa carta reforce a ideia de que políticas sociais para redução da pobreza e desigualdade são fundamentais para a melhoria da saúde dos povos. O centro dessa conferência é a ideia de que mexer nas condições de vida das pessoas e nos fatores que geram desigualdades é decisivo para levar políticas para todos, e que é fundamental ter políticas diferentes para populações que vivem em situações diferentes de vulnerabilidade.
A expectativa é que a carta reforce isso, que estabeleça claramente que a Organização Mundial de Saúde tem que se relacionar de forma mais próxima com as outras agências da ONU que podem impactar nos determinantes sociais.
5-Isso se aplica de maneira análoga ao Ministério da Saúde, ressaltando a necessidade de trabalho conjunto com outros ministérios, certo?
Isso reforça as políticas que o Brasil já vem desenvolvendo. O governo lançou o Brasil Sem Miséria, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social, com um papel decisivo do Ministério da Saúde, e que integra todas as ações de políticas sociais e da Fazenda.
Outro exemplo é uma prioridade do Ministério da Saúde é a redução do uso de tabaco no país. Hoje o ministério coordena uma comissão interministerial do qual participam os ministérios da Fazenda, da Agricultura, da Indústria e do Comércio, do Desenvolvimento Agrário.
6- O ministério tem campanhas fortes contra o fumo e o álcool. São campanhas importantes, mas que despertam resistência de partes da população que defendem sua liberdade de decisão. Que impacto esses hábitos têm para a saúde da população, e por que precisam ser alvo de políticas públicas?
São fatores de risco seríssimo para a saúde da população. Hoje, de cada dez homens que morrem no país por doenças pulmonares, oito são ex-tabagistas, e de cada dez mulheres, seis são ex-tabagistas.
O Brasil reduziu pela metade o número de tabagistas adultos. De 35% chegou a 15% neste ano. Isso contribuiu para a redução em 20% dos óbitos por doenças cardiovasculares em 10 anos.
Além das campanhas educativas, é fundamental termos medidas restritivas ao tabaco. Nesta semana está em votação no Congresso Nacional uma medida provisória da presidente Dilma que aumenta os tributos sobre tabaco, e estabelece um preço mínimo.
7- A desigualdade de renda é um fator central para iniquidades na saúde. Nesse sentido, se falou muito na conferência sobre o exemplo do Brasil com programas de transferência de renda. Mas a ascensão social geralmente é acompanhada do desejo de ter planos de saúde particulares. Em 2008, segundo o IBGE, 82% das pessoas que recebiam acima de cinco salários mínimos tinham planos de saúde. Isso não aponta para um fracasso do sistema de saúde público?
Eu diria que este é um dos grandes desafios do nosso sistema público de saúde. É fundamental oferecer um serviço de cada vez mais qualidade. À medida que a população tem avanços sociais e que reduzimos doenças ou óbitos, vamos criando novas demandas em relação à saúde, o envelhecimento da população vem trazendo novas demandas. Nosso desafio é oferecer um serviço público com cada vez mais qualidade para satisfazer essa demanda, que é cada vez maior. Isso começa por garantir qualidade na atenção primária, com sistemas que incentivem o bom atendimento. Também buscamos reforçar o ressarcimento dos planos privados ao sistema público. Muitas pessoas com acesso a planos privados utilizam o sistema público, sobretudo em procedimentos de mais alta complexidade. Por exemplo, 80% do que se investe em câncer no país é no setor público, mais de 90% das hemodiálises, e todo o tratamento antiretroviral para Aids. Então estamos avançando para ampliar o ressarcimento dos planos privados ao setor público.
Vânia Viana dos Reis Martins
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